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Como obesidade e diabetes estão relacionados?

O diabetes afeta 16,8 milhões de adultos no Brasil, quinto país no mundo com a maior incidência da doença.

Publicado em: 24 de fevereiro

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O diabetes afeta 16,8 milhões de adultos no Brasil, quinto país no mundo com a maior incidência da doença. E a obesidade está entre os principais fatores de risco para o desenvolvimento do diabetes tipo 2, que representa cerca de 90% dos casos de diabetes em todo o mundo. Por isso, a perda de peso com o acompanhamento de profissionais de saúde pode ajudar na prevenção e no controle dessa forma da doença. Para falar sobre a relação entre obesidade e diabetes, o Saúde Não Se Pesa convidou o Dr. Fábio Trujilho, endocrinologista do Centro de Diabetes e Endocrinologia da Bahia (CEDEBA) e vice-presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO).

SNSP - O que é o diabetes tipo 1 e o diabetes tipo 2 e qual dos dois tipos é mais prevalente em pessoas com obesidade? 

DR. FÁBIO TRUJILHO - a diferença entre o diabetes mellitus tipo 1 e tipo 2 é que, no tipo 1, existe uma quase ou total ausência de produção de insulina pelo pâncreas. E, geralmente, acontece de uma forma muito rápida e em pessoas mais jovens.

Já no diabetes tipo 2, no início da doença, o pâncreas ainda produz insulina e, geralmente, em uma quantidade até maior do que na maioria das pessoas. No diabetes tipo 2, a insulina passa a ter dificuldade de agir e colocar a glicose para dentro da célula, o que chamamos de resistência à insulina. Em uma fase posterior da doença, ocorre a diminuição da produção de insulina pelo pâncreas.

O diabetes tipo 2 está mais relacionado com a obesidade, pois ela é uma das principais causas de resistência insulínica. Hoje, com o aumento da obesidade infantojuvenil, vemos cada vez mais casos em pessoas mais jovens.

Geralmente, é uma doença que começa lentamente e, às vezes, demora para que a pessoa tenha o diagnóstico. Muitas vezes, quando esse diagnóstico é feito, já existe algum tipo de complicação.

 

SNSP – A obesidade pode contribuir para que a resistência à insulina aconteça e levar ao desenvolvimento do diabetes do tipo 2?

DR. FÁBIO TRUJILHO - a obesidade é um fator de risco importante e, geralmente, leva à resistência insulínica, o que vai contribuir para o aparecimento do diabetes. Como eu disse na resposta anterior, a resistência à insulina é uma dificuldade que esse hormônio tem de exercer a sua função, que é, principalmente, colocar a glicose para dentro da célula. Com isso, a pessoa vai precisar produzir uma quantidade muito maior de insulina para que consiga manter a glicose no sangue em valores normais.

Se o pâncreas passa a ser muito exigido, com o passar do tempo vai ocorrer uma espécie de esgotamento do órgão, que não vai conseguir mais produzir uma quantidade suficiente do hormônio insulina para deixar os valores de glicemia dentro da normalidade.

 

SNSP - Como a obesidade pode levar ao desenvolvimento do diabetes tipos 2? Isso pode ser revertido caso a pessoa perca peso? 

DR. FÁBIO TRUJILHO - a obesidade pode levar ao aparecimento do diabetes porque leva a uma dificuldade maior da ação de insulina, o que chamamos de resistência insulínica, que é um fator de risco para o desenvolvimento do diabetes.

Além disso, o excesso de tecido gorduroso vai infiltrar no pâncreas, dificultando que as células beta – que produzem insulina no pâncreas – trabalhem direito e produzam insulina adequadamente, o que também contribui para o aparecimento do diabetes.

Um outro fator é que, muitas vezes, o excesso de gordura produz substâncias inflamatórias que vão contribuir ainda mais para o agravamento da resistência à insulina e, também, para a dificuldade de ação das células beta.

Se a pessoa com obesidade ainda não desenvolveu diabetes, a perda de 10% do peso pode influenciar muito na prevenção da doença.

E mesmo para quem já tem diabetes, a perda de peso melhora o controle glicêmico - e não precisa ser muito, perdas de peso até menores do que 5% já têm um impacto na redução da glicemia.
Existem estudos que mostram que, se a pessoa que tem diabetes e obesidade perder acima de 15% de peso, ela pode ter até remissão do diabetes.

 

Evitamos usar o termo cura, que se refere a algo mais duradouro, para o resto da vida, pois o mecanismo da condição está instalado. Mas essa perda em torno de 15% do peso pode levar, sim, esse indivíduo que desenvolveu diabetes por causa da obesidade a deixar de ter essa patologia, seja temporariamente ou não.

SNSP - Por outro lado, a resistência à insulina e/ou o fato de o pâncreas não produzir insulina suficiente pode levar ao desenvolvimento de obesidade? 

DR. FÁBIO TRUJILHO - Geralmente, o que ocorre é o contrário, a obesidade leva à resistência à insulina e, posteriormente, à diminuição da produção da insulina. Mas existem outros mecanismos, além da obesidade, associados à resistência à insulina. Por exemplo, pessoas sem excesso de peso mas com a síndrome dos ovários policísticos apresentam resistência à insulina, não pela obesidade, mas por mecanismos relacionados à fisiopatologia da própria doença. E isso é sim um fator de risco, essa pessoa precisa estar atenta para não ganhar peso e consequentemente comprometer a função pancreática.

SNSP - Como a junção de diabetes e obesidade eleva o risco à saúde do paciente?

DR. FÁBIO TRUJILHO - a obesidade pode estar associada à elevação dos riscos de doença nesses pacientes por várias maneiras, algumas mais e outras menos conhecidas. Entre elas, estão as alterações mecânicas em que o próprio excesso de peso pode levar essa pessoa a ter mais dores no joelho, artroses, dores na coluna e dores musculares, o que vai impactar bastante a qualidade de vida.

Além disso, esse tecido gorduroso aumenta a resistência insulínica e a produção de substâncias inflamatórias, que são fatores que contribuem, por exemplo, para o aparecimento do diabetes, da gordura no fígado e de doenças cardiovasculares, como infarto agudo do miocárdio (IAM) e Acidente Vascular Cerebral (AVC). Alguns tipos de câncer também estão relacionados a esse estado inflamatório causado pela obesidade.

Um exemplo mais recente é a Covid-19, que mostrou para a nossa sociedade o quanto a obesidade precisa ser vista com mais seriedade, uma vez que pessoas que estão acima do peso têm um risco maior de complicações pelo novo coronavírus.

O excesso de peso também está associado a problemas de saúde mental, como depressão e baixa autoestima.

SNSP - Quais são as possíveis doenças que a pessoa com diabetes e obesidade pode desenvolver? 

DR. FÁBIO TRUJILHO - são várias as possíveis doenças que podem estar associadas ao diabetes e à obesidade. Há uma associação muito direta com as doenças cardiovasculares, com aumento do risco do infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral e insuficiência cardíaca. Já se fala também em maior risco de problemas renais, gordura no fígado e alguns tipos de câncer. Mas, quando falamos em obesidade e diabetes juntos, o nosso grande medo é a doença cardiovascular.

Além disso, a ocorrência de obesidade e diabetes diminui a expectativa de vida, ou seja, faz com que as pessoas vivam menos. Então, temos que estar muito atentos a isso e à quantidade de patologias associadas. Eu citei algumas, mas são inúmeras, alguns estudos mostram até mais de 200 doenças relacionadas à obesidade.

SNSP - Perder peso tem um impacto positivo na saúde de quem tem obesidade e diabetes e já desenvolveu alguma doença associada? 

DR. FÁBIO TRUJILHO - perder peso quase sempre contribui para a melhora de outras doenças associadas à obesidade e ao diabetes, inclusive as comorbidades cardiovasculares. A perda de peso e o próprio controle do diabetes melhoram, por exemplo, hipertensão, doença hepática gordurosa não alcoólica (NASH), ovário policístico, excesso de colesterol e incontinência urinária.

Também é possível citar a melhora da apneia do sono, que, às vezes, é pouco valorizada. Tende-se a pensar que a pessoa que ronca está dormindo bem, mas quando avaliamos a qualidade do sono dela, constata-se que não, porque faz períodos de apneia (suspensão momentânea da respiração), o que gera um cansaço muito grande no dia seguinte. O distúrbio contribui, também, para o aumento da resistência insulínica e para o ganho de peso.

 

SNSP - A má alimentação e o sedentarismo são fatores de risco para o diabetes tipo 2 ou estão associados apenas ao ganho de peso? 

DR. FÁBIO TRUJILHO - o sedentarismo e a alimentação inadequada são fatores de risco para o diabetes tipo 2, independente da obesidade. No entanto, é importante lembrar que a obesidade é um fator de risco para o diabetes, assim como a história familiar de diabetes, a hipertensão e a dislipidemia, ou seja, são vários os fatores de risco para o diabetes tipo 2.

SNSP - O diabetes causa alguma dificuldade em relação ao tratamento da obesidade? Como deve ser o tratamento para obesidade da pessoa que tem diabetes? 

DR. FÁBIO TRUJILHO - a pessoa com diabetes geralmente tem uma dificuldade um pouco maior de perda de peso do que uma pessoa com obesidade e sem diabetes. Além disso, muitas vezes se faz necessário o uso de medicamentos para o diabetes, como a insulina, que podem dificultar a perda de peso. Então, a escolha de uma medicação que possa levar a um controle efetivo do diabetes e, ao mesmo tempo, levar à perda de peso, nos dá boas perspectivas em relação a esse aspecto.

O exercício físico é fundamental no tratamento da pessoa com obesidade e diabetes associadas. Em primeiro lugar, porque ele melhora a resistência insulínica, ou seja, facilita a ação da insulina, melhorando, com isso, o controle glicêmico. Além disso, esse gasto energético contribui para a perda de peso, apesar de muitos estudos mostrarem que o exercício está muito mais relacionado com a manutenção do peso perdido do que propriamente com a perda de peso. Mas ele é essencial e deve ser prescrito para toda pessoa com diabetes e obesidade, adaptando para as suas condições individuais.

SNSP – O senhor gostaria de fazer alguma consideração final?

DR. FÁBIO TRUJILHO - eu queria chamar atenção para dois pontos. O primeiro ponto é que, mais importante do que a quantidade de gordura corporal é onde ela está localizada. Tem gorduras que são mais inflamatórias, mais maléficas do que outras. Aquela que é acumulada na região da barriga, no fígado, leva a complicações maiores do que a gordura que não está acumulada nesses locais.

Outro ponto que eu acho que temos que levar para reflexão é que, na maioria das vezes, é a obesidade que gera a maior parte dessas patologias, como o próprio diabetes, a hipertensão, a apneia do sono, a artrose de joelho, a gordura no fígado. Tratar a obesidade é abrir uma janela de oportunidade para que a pessoa não tenha complicações maiores.

É importante frisar que, mesmo que essa pessoa já tenha outras comorbidades instaladas, o tratamento da obesidade vai ser benéfico e vai ter um impacto positivo no controle dessas outras patologias.

BR22OB00198 – Fev./2023

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